Hoje (21/12), enquanto muitos se preparam para as festas de fim de ano, comunidades em todos os Estados Unidos se reúnem para uma tradição solene: o Homeless Persons’ Memorial Day (Dia em Memória das Pessoas em Situação de Rua, em uma tradução livre). Realizado no dia mais curto e escuro do ano, o evento homenageia aqueles que perderam a vida devido à falta de um lugar seguro para morar.
No entanto, este ano o clima não é apenas de luto, mas de urgência política. Em uma declaração contundente, o National Homelessness Law Center alerta que a crise de moradia está sendo agravada por escolhas políticas deliberadas que priorizam a criminalização em vez da dignidade humana.
Uma falha de política, não de caráter
A mensagem central do Memorial de 2025 é clara: em uma nação com a riqueza dos EUA, nenhuma morte por falta de moradia é “natural”. Cada uma dessas mortes representa uma falha evitável de política pública. O Law Center destaca que estamos vendo um aumento perigoso em três frentes:
- Retórica de ódio: de apresentadores de TV pedindo violência contra desabrigados a políticos que usam essas pessoas como bodes expiatórios para desviar a atenção de sistemas habitacionais falidos.
- Criminalização: O avanço de leis que tornam crime o simples ato de dormir ao relento, impulsionadas por institutos de lobby e bilionários.
- Campos de detenção: O exemplo alarmante de Utah, onde 45 milhões de dólares foram destinados à construção de campos de detenção remotos para “conter” a população de rua, em vez de investir em casas.
“Essas escolhas políticas tornarão mais pessoas desabrigadas, famintas e doentes. Elas significam que ainda mais pessoas morrerão.” — National Homelessness Law Center.


Rostos por trás dos números
O Memorial deste ano carrega os nomes de vítimas recentes de um sistema punitivo:
- Cornelius Taylor, morto após despejos em Atlanta.
- August Bucki, que morreu congelado em Pensacola após a cidade destruir seu abrigo.
- Corey Zukatis, vítima de violência extrema no Mississippi.
Como transformar o luto em ação
The National Homelessness Law Center convoca a sociedade civil norte-americana para que a tristeza dessas perdas alimente a luta por justiça. Não basta lamentar; é preciso agir contra a desumanização institucionalizada.
E propõe apoio de duas formas imediatas:
- Pressionar o Congresso: Exigir a aprovação da lei Housing Not Handcuffs (Moradia, Não Algemas), que foca em soluções reais de habitação em vez de punição policial.
- Mobilização em Utah: Participar da reunião de massa no dia 14 de janeiro para barrar a criação de campos de detenção governamentais.
A escuridão do solstício de inverno nos lembra que, sem apoio e moradia, a rua é uma sentença de morte. O National Homelessness Law Center luta por um país em que todos tenham a dignidade de um teto.
No Dia em Memória das Pessoas em Situação de Rua, dados revelam cenário de ‘extermínio silencioso’ no Brasil em 2025
A realidade brasileira em 2025 reflete um cenário de violência crescente e negligência estatal, ecoando as preocupações levantadas pelo National Homelessness Law Center nos EUA. Com base em dados recentes de órgãos como o Ipea, Fiocruz e Instituto Fogo Cruzado, aqui está uma recapitulação das mortes e suas circunstâncias no Brasil ao longo deste ano:
1. Mortalidade alarmante e desigualdade
Dados apresentados no Seminário Internacional sobre População em Situação de Rua da Fiocruz, em outubro de 2025, revelam que a taxa de mortalidade entre pessoas em situação de rua é 348% maior do que a da população geral.
- Causa sistêmica: O excesso de mortes é atribuído à “situação de rua” em si, que agrava infecções, intoxicações e doenças crônicas devido à alimentação e sono inadequados.
- Perfil: A maioria das vítimas continua sendo de homens negros, evidenciando o recorte racial da exclusão habitacional no país.
2. Mortes por frio e negligência (inverno de 2025)
No final de maio e início de junho de 2025, o Sul do Brasil registrou mortes trágicas por hipotermia, marcadas pela crítica à atuação das prefeituras:
- Porto Alegre (RS): pelo menos dois homens (identificados como André e “Mano”) morreram na Rua Voluntários da Pátria.
- Controvérsia: Pastoral do Povo de Rua e vereadores denunciaram que as mortes ocorreram logo após operações de “limpeza” urbana, onde a prefeitura retirou colchões e cobertores das vítimas, deixando-as vulneráveis ao frio anunciado.
- Bento Gonçalves (RS): Outra vítima foi encontrada sem vida pelo mesmo motivo, totalizando casos de negligência estatal direta.
3. Explosão da violência armada e homicídios
O ano de 2025 registrou picos de violência direcionada em várias capitais:
- Grande Recife (PE): Segundo o Instituto Fogo Cruzado, até junho de 2025, 12 pessoas em situação de rua foram baleadas e mortas. Este é o maior número desde 2019 e representa um aumento de 300% em relação ao ano anterior. As autoridades destacam que não foram “balas perdidas”, mas sim homicídios direcionados.
- Minas Gerais: entre janeiro e setembro de 2025, o estado registrou 40 assassinatos de pessoas em situação de rua, uma alta de quase 50% comparada a 2024. Em Belo Horizonte, o aumento foi de 43%.
4. O fenômeno dos “corpos esquecidos”
Um relatório de agosto de 2025 trouxe à tona o apagamento pós-morte:
- Manaus (AM): Entre 2020 e 2024, mais de 900 pessoas em situação de rua foram enterradas como “indigentes” (sem identificação), uma tendência que se manteve crítica em 2025.
- Invisibilidade estatística: apenas 6 das 27 capitais brasileiras possuem mecanismos eficientes para contabilizar mortes de pessoas em situação de rua, o que significa que o número real de óbitos este ano é drasticamente maior do que o notificado.
5. Violência institucional e em abrigos
Contrariamente ao que poderia supor o senso comum, uma parcela significativa da violência ocorre em locais de suposta “proteção”:
- Cerca de 26% dos casos de violência registrados em 2025 envolveram agentes públicos (policiais ou guardas civis).
- 16% dos casos ocorreram dentro de abrigos ou centros de acolhimento, evidenciando a precariedade do atendimento estatal.
Legenda da foto principal: Lolita Griffeth (à esquerda), noiva de Cornelius Taylor. Derek Chaney (à direita), irmão de Taylor. Uma foto de infância de Taylor e Chaney (ao centro). Fotografia: Rita Harper/The Guardian













