Seção “Vozes da Rua” estreia com Kleidson: o jornalismo que aprende a escutar

Eis que inauguramos a seção Voces de la calle deste nosso projeto. Nosso convidado de estreia é Kleidson Oliveira Beserra, 47 anos, casado, pai de três filhos, natural de Brasília e orgulhoso proprietário de um Volkswagen Santana cor “vinho”. Nosso encontro se deu durante o Seminário Internacional sobre População em Situação de Rua, realizado entre os dias 22 e 23 de outubro, na Fiocruz Brasília. Kleidson estava acompanhando sua mulher, Brenda, outra liderança no movimento PopRua, e cuidando do Mateus, seu filho de um ano e 10 meses, enquanto sua mulher participava de mesas no evento ou fazia seu networking. Sim, a população em situação de rua faz seu networking nos círculos que frequento.

Mas não quero me alongar muito. Voces de la calle quer dar voz a quem não é ouvido. E o resultado é surpreendente e revolucionário. Eu mesmo tenho me flagrado apaixonado por esta temática, especialmente como jornalista, com 43 anos de experiência, em busca de algo que motive, nessa quadra histórica tão desinteressante em que vivemos.

Na verdade, estou me alongando aqui porque esta é a entrevista de estreia de Voces de la calle, e preciso lhes falar sobre o que me move nesta seção.

E algumas coisas têm me ocorrido. Por exemplo, que ouvir não é sobre dar voz, mas se dispor a ser transformado. Cada fala destas vozes da rua que ora passamos a coletar desmonta estereótipos, rasga a lógica da pressa e desafia a “objetividade” da redação.

É na rua que se condensam todas as agendas — saúde, habitação, segurança, economia, política de drogas, educação, fé, racismo, gênero, clima. Um espelho da falência e da esperança de uma nação é isso que a rua é.



As circunstâncias em que as entrevistas se dão também variam. No caso de Kleidson, nossa conversa começou no evento e se prolongou por algumas seções no WhatsApp para novas perguntas. Mas há situações em que se entrevista uma pessoa em situação de rua hoje e não se sabe se amanhã ela estará no mesmo lugar. Pode estar fugindo da polícia, que invariavelmente os achaca, foi levado para o CAPS à procura de tratamento. A conversa acontece na calçada, no abrigo, na praça, no ônibus, no CAPS. Às vezes o entrevistado desaparece e reaparece meses depois com uma revelação nova. Esses reencontros te ensinam paciência, humildade e humor, virtudes que o jornalismo apressado esqueceu.

Há os acordos a serem feitos. O entrevistado pode não querer ter seu nome revelado, teme ser alvo de represálias de quem quer que seja. No caso de Kleidson , um acordo de consentimento informado foi firmado entre nós, para uso de sua imagem, seu nome, suas histórias.

Dentro do possível, decidi intervir o mínimo no texto da entrevista. Aqui você vai ler Kleidson expressando-se de seu jeito. Resgatamos sua voz, seu testemunho, e nesse contexto qualquer interferência do repórter é ruído.

Cobrir a população em situação de rua é praticar jornalismo restaurativo — o tipo de cobertura que não se contenta em noticiar, mas tenta restituir humanidade.


Eu tenho o privilégio e a responsabilidade de me tornar ponte entre mundos que não se olham mais.


E, nesse processo, descubro que o prazer do ofício não vem do furo de reportagem, mas do encontro com pessoas notáveis. Notáveis como Kleidson e muitos outros que passarão por aqui.

Kleidon e Mateus, seu filho caçula.

Com vocês, Kleidson (clique neste link)

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Jornalismo público sobre população em situação de rua e vulnerabilidade social
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