Mortalité, données et urgence politique : PopRua au centre du débat à la Fiocruz Brasília

Uma das principais mesas do Seminário Internacional sobre População em Situação de Rua: Cuidado Integral e Direitos Já, na Fiocruz Brasília, reuniu quatro exposições. A partir de perspectivas distintas, elas convergiram na defesa da produção qualificada de informações, da garantia intersetorial de direitos e da necessidade de participação ativa dos movimentos sociais. Com o tema Nous ne sommes pas invisibles : informations pour les politiques publiques, Aldaiza Sposati, Marco Natalino, Rinaldo Artes e Flávio Lino apresentaram insumos analíticos que revelam dimensões estruturais do tema e a urgência de políticas públicas integradas.

Aldaiza Sposati, professora titular sênior da PUC-SP e autora da Lei Municipal paulistana de 1997 sobre Direitos da População em Situação de Rua, abriu o debate questionando a própria formulação “situação de rua”. Recordou que a expressão surgiu com a intenção de reduzir estigmas e superar noções tipificadoras como “morador de rua”, mas advertiu que hoje pode esconder o cerne da pauta: direitos. Segundo ela, o termo desloca a atenção dos sujeitos e da cidadania para uma condição circunstancial que, se naturalizada, corre o risco de se tornar permanente. “O direito deve vir antes do débito”, sintetizou, sugerindo que o acesso aos serviços não pode ser condicionado à comprovação constante de carências.

O termo ‘situação de rua’ desloca a atenção dos sujeitos e da cidadania para uma condição circunstancial que, se naturalizada, corre o risco de se tornar permanente

Sposati também criticou o uso indiscriminado das categorias “usuário” e “segmento” no sistema de assistência social. Para ela, tais denominações reforçam distanciamentos simbólicos e dificultam a construção de vínculos. Defendeu, por outro lado, a centralidade da relação como eixo organizador da atenção, especialmente em territórios onde as políticas deveriam dialogar entre si. O cenário atual, observou, revela justamente o oposto: abrigos, repúblicas e demais serviços funcionam isoladamente, sem integração efetiva com saúde, assistência e educação.

Sua leitura evidencia que, embora a política nacional tenha avançado em instrumentos institucionais, ainda prevalece configuração marcada pela fragmentação e pela ausência de padrões mínimos de atendimento. Um dos efeitos dessa descoordenação é a persistente invisibilidade administrativa. Isso ocorre porque os sistemas de informação partem da noção de domicílio fixo, critério que exclui justamente quem não dispõe de moradia. Como consequência, decisões baseadas em dados tendem a ignorar um contingente expressivo da população. O resultado é um paradoxo: altíssima visibilidade social nas ruas, baixa visibilidade nos registros formais.

A partir de dados recentes do Registre unique, Sposati citou mais de 337 mil pessoas registradas, sendo 42% no estado de São Paulo. Contudo, essa inclusão não assegura cobertura uniforme de benefícios: a adesão ao Bolsa Família varia entre aproximadamente 68% e pouco mais de 80%. Além das desigualdades territoriais, a pesquisadora chamou atenção para discrepâncias na infraestrutura e no número de profissionais por serviço, reforçando que a ausência de parâmetros nacionais dificulta a garantia de direitos.

Na sequência, Marco Natalino, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresentou resultados iniciais de um estudo que integra bases administrativas de registros de óbito e Registre unique, conduzido em parceria com equipes do Ipea, centros acadêmicos estrangeiros e agências internacionais. Seu objetivo foi comparar taxas de mortalidade da população em situação de rua com as da população geral e da população de baixa renda, controlando as variáveis por idade e sexo. Segundo o pesquisador, a composição demográfica dessa população — majoritariamente masculina e concentrada em idades adultas — torna imprescindível o uso de taxas padronizadas para garantir comparações válidas.

O resultado é contundente: uma pessoa em situação de rua apresentou probabilidade de morte 348% maior do que a população em geral em 2024. Mesmo quando comparada apenas à população de baixa renda, ainda exibiu probabilidade 223% maior. O estudo estimou que, das mais de 6 mil pessoas em situação de rua que vieram a óbito em 2024, ao menos 4.664 representam mortes em excesso — ou seja, não ocorreriam caso tivessem o mesmo padrão de mortalidade médio da população. Natalino frisou que esses dados estão subestimados, pois há subnotificação e ausência de registro em cartório para parte significativa dessa população.

Uma pessoa em situação de rua apresentou probabilidade de morte 348% maior do que a população em geral em 2024

Ele acrescentou que os óbitos femininos têm menor volume absoluto, mas apresentam razão de mortalidade ainda maior, quando comparados às mulheres domiciliadas, indicando vulnerabilidades específicas. O pesquisador apontou limitações do estudo, como sub-representação de crianças, adolescentes e pessoas em conflito com a lei, mas ressaltou que mesmo recortes conservadores mantêm os achados. Os próximos passos envolvem aprofundar análises por causa de óbito e integrar dados do sistema oficial de mortalidade, com foco especial em causas externas e homicídios.

O terceiro palestrante, Rinaldo Artes, Doutor em Estatística pelo IME/USP e filiado ao INSPER, abordou o uso dos dados administrativos produzidos em São Paulo para compreender a dinâmica de circulação da população em situação de rua na rede de acolhimento. Trabalhando com três sistemas (CadÚnico, SISA/acolhimento e SISRU/abordagem), sua equipe acompanhou coortes de pessoas ao longo de 10 anos. Um padrão se repetiu: há queda acentuada de permanência nos primeiros meses, seguida de estabilização em torno de 10% a 15% após dois anos. O comportamento é semelhante entre coortes, inclusive durante a pandemia.

Segundo Artes, esse padrão abre perguntas, não respostas definitivas. A queda pode indicar saída da rua, migração, uso alternado de abrigos, mudança de município ou mera interrupção do uso dos serviços. Uma análise por faixa etária mostrou que pessoas mais velhas permanecem por mais tempo; já jovens utilizam de forma mais curta ou esporádica.

Outra análise mostrou que 12% das pessoas utilizaram o serviço por até 10 dias em dois anos, enquanto outra parcela apresentou uso muito intenso, superior a 600 dias. Essa heterogeneidade indica perfis distintos e necessidades diferenciadas, demandando políticas específicas. O pesquisador chamou atenção ainda para o fenômeno das “saídas qualificadas” — quando a pessoa deixa o serviço por conquista de moradia, emprego ou retorno familiar. Mesmo nesses casos, cerca de 40% retornaram à rede em algum momento, sugerindo que não basta assegurar saída; é necessário garantir sustento e proteção contínua. Por fim, destacou que CadÚnico, SISA e SISRU não descrevem a mesma população, o que exige cautela analítica.

Encerrando a mesa, Flávio Lino, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, apresentou panorama internacional da temática, com base em levantamento realizado em 2023–2024 sobre países do BRICS ampliado. Segundo ele, os países somam mais de 6,2 milhões de pessoas em situação de rua. Frente à ausência de metas globais vinculantes, o resultado é crescimento contínuo da PopRua em todos os contextos analisados. Lino destacou que nenhum dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) menciona explicitamente essa população, o que colabora para sua marginalização. Defendeu, portanto, a criação de indicadores e metas específicos, enfatizando que muitas pessoas necessitam apenas de moradia para alcançar autonomia, enquanto outras precisam de acompanhamento psicossocial.

Nenhum dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 menciona explicitamente a população em situação de rua

Lino sugeriu que a mesa produzisse uma carta de compromissos, encaminhada a agendas estratégicas como a COP30, visando institucionalizar recomendações, intensificar a cooperação entre sociedade civil, órgãos públicos e organismos internacionais, e pressionar por um ODS dedicado ao tema.

As quatro falas convergiram em um diagnóstico comum: sem dados integrados, sem padrão de atendimento e sem diretrizes de proteção contínua, a violação de direitos se perpetua. Os expositores desta mesa reforçaram a necessidade de reposicionar a população em situação de rua no centro da formulação de políticas públicas, reconhecendo sua diversidade, suas trajetórias e sua cidadania.


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Legenda da foto: Da esquerda para a direita, Aldaiza Sposati, Marco Natalino, Flávio Lino e Carla Bronzo, Fundação João Pinheiro (mediadora)

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Jornalismo público sobre população em situação de rua e vulnerabilidade social
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