Des trottoirs aux politiques nationales : voix et voies vers une prise en charge globale des personnes sans domicile

Realizado na Fiocruz Brasília, o “Seminário Internacional Pessoas em Situação de Rua: Cuidado Integral e Direitos Já” reuniu, nos dias 22 e 23 de outubro, representantes de ministérios, universidades, movimentos sociais, organismos internacionais e da própria população em situação de rua. O encontro buscou inspirar uma nova compreensão social sobre a vida nas ruas, reconhecendo as subjetividades, histórias e potências dessas pessoas e propondo caminhos inovadores de cuidado e proteção social.

Abertura do evento reuniu governo, academia e movimentos sociais em torno de uma pauta comum: dignidade, intersetorialidade e cuidado integral

Com mesas e painéis distribuídos ao longo de dois dias, o evento debateu desde políticas públicas e proteção social até equidade de gênero e raça, maternidade, justiça e saúde, destacando a necessidade de respostas intersetoriais e integradas. A programação incluiu ainda o lançamento de produções técnicas, apresentações de experiências de cuidado e pesquisas, além da participação de figuras emblemáticas como Padre Júlio Lancellotti e representantes de organismos internacionais como o Banco Mundial e a Alcaldía Mayor de Bogotá.

Mais do que um espaço de debate, o seminário se consolidou como uma arena de articulação entre Estado, academia e sociedade civil, reafirmando a urgência de políticas baseadas em direitos humanos e justiça social, e promovendo a construção de redes colaborativas que fortaleçam pertencimento, dignidade e transformação coletiva.

Acompanhe aqui o evento em seu primeiro dia, pela manhã.

A mesa de abertura do Seminário Internacional “Pessoas em situação de rua: cuidado integral e direitos já”, sediado na Fiocruz Brasília, reuniu representantes do governo federal, do parlamento, de instituições de pesquisa e de movimentos sociais. Em uníssono, as falas reafirmaram um mesmo princípio: a população em situação de rua é sujeito de direitos, não objeto de caridade ou estigma.

“A rua não é problema, é solução”

O coordenador-geral do CIAMP-Rua Nacional, Anderson Miranda, abriu a mesa lembrando que o respeito começa no reconhecimento. Ao iniciar sua fala com audiodescrição — prática voltada à inclusão de pessoas com deficiência visual e auditiva —, deu o tom ético do evento: “A rua tem que ser respeitada e respeitar também”.

Com mais de 35 anos de trajetória de rua, Miranda é hoje o primeiro representante com vivência direta nas ruas contratado pelo governo federal para atuar na política nacional de população em situação de rua. Emocionado, afirmou que a luta é por reconhecimento e por política pública de verdade.

“A população em situação de rua não é problema, é solução. Não queremos mais caridade, queremos política pública continuada.”

Miranda defendeu a criação de uma Secretaria Nacional de Políticas para a População em Situação de Rua, com poder de articulação entre os ministérios. Destacou ainda a importância de tratar o tema de forma intersetorial, abrangendo moradia, saúde, trabalho, educação e cultura. Lembrou que o CIAMP-Rua é composto por 11 ministérios e representantes da sociedade civil, com a função de monitorar, fiscalizar e dialogar com estados e municípios.

“Não podemos mais ficar no coitadinho — somos cidadãos e cidadãs de direitos e garantias.”

“Defender a rua é defender a democracia”

A deputada federal Ana Pimentel (PT-MG) deu continuidade à mesa, reforçando que defender as pessoas em situação de rua é também defender a vida e a democracia. Ela lembrou que, após o 8 de janeiro, o Brasil ainda enfrenta ameaças à sua institucionalidade e que proteger a democracia é proteger os corpos mais vulneráveis.

“Para as pessoas em situação de rua, nunca houve uma democracia completa. Defender a vida nas ruas é defender um país verdadeiramente justo e solidário.”

Ana Pimentel destacou que políticas públicas eficazes exigem intersetorialidade real e um projeto de país centrado na dignidade, evocando a força motora do SUS como inspiração: “Precisamos de um país em que tudo seja para todos”.

“O direito de existir é o primeiro direito”

A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, trouxe um discurso de forte dimensão humanitária e civilizatória. Em tom emocionado, homenageou a militância que resiste à desumanização, lembrando que o Brasil ainda fala primeiro em “situação de rua” e só depois em “pessoas”.

“Temos uma luta para sair dessa tensão entre quem quer nos desumanizar e a nossa luta por trazer humanidade para toda a população.”

Macaé citou o assassinato de uma mulher trans em situação de rua em Belo Horizonte, ocorrido na véspera, como prova de que o país ainda convive com a naturalização da violência. “Temos que frear esse modo de produção que suga o trabalhador até virar suco e o planeta até não sobrar nada”, afirmou, em crítica direta à lógica excludente do capitalismo contemporâneo.

A ministra defendeu a formulação de um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 específico para a População em Situação de Rua, articulado entre o IPEA e a Fiocruz, e concluiu reafirmando o direito à moradia digna como eixo central das políticas de cuidado.

“Moradia primeiro — todas as pessoas têm direito à moradia e à terra.”

“Não há desenvolvimento quando se invisibiliza parte do país”

A presidenta do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Luciana Servo, resgatou a importância da ciência comprometida com o real. “Política se faz na base”, disse, recordando sua origem no movimento social e sua trajetória de mais de duas décadas no IPEA.

Ela elogiou a cooperação histórica com a Fiocruz e a atuação do SUS durante a pandemia, ressaltando que o desenvolvimento nacional só pode ser pensado de forma inclusiva e redistributiva.

“Como falar em desenvolvimento olhando o país só pelo retrovisor? O que seria do Brasil sem a Fiocruz e sem o SUS?”

Luciana destacou os dados alarmantes sobre o crescimento da população em situação de rua e defendeu o papel do IPEA em gerar evidências que sirvam à ação e à responsabilidade pública. Em convergência com Macaé, apoiou a criação de um ODS 18, transversal aos demais Objetivos da Agenda 2030, dedicado à população de rua.

“Os números não são neutros — são um chamado à ação e à responsabilidade.”

“Direito a cuidar, a ser cuidado e ao autocuidado”

A secretária nacional de Cuidados e Família, Laís Abramo, representando o secretário André Quintão, detalhou as ações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a recente Política Nacional de Cuidados, sancionada no final de 2023.

Ela ressaltou que a nova lei reconhece três dimensões fundamentais do cuidado — o direito a ser cuidado, o direito a cuidar e o direito ao autocuidado. Além disso, afirmou que mulheres em situação de rua participaram da formulação da política, reivindicando o direito de permanecer com seus filhos.

“Não há cuidado pleno quando o vínculo materno é rompido pela pobreza.”

Laís apresentou dados do Registre unique: 355 mil pessoas identificadas em situação de rua, das quais 74% recebem Bolsa Família e 7% o BPC. Ela destacou a ampliação de 97% a 99% dos recursos destinados à assistência social desde o início do atual governo e defendeu a vinculação constitucional de recursos ao SUAS, garantindo continuidade e previsibilidade orçamentária.

“A intersetorialidade é a chave — nenhuma política isolada dá conta da rua.”

“Fazer com a sociedade é a marca radical deste seminário”

O diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), Marco Menezes, reforçou a importância de uma academia conectada à sociedade. “Este seminário é um exemplo radical de como devemos atuar: fazer com a sociedade e com os movimentos”, disse.

Ele destacou o papel do coletivo Trilhas de Cuidado nas Ruas, que integra várias unidades da Fiocruz, e a força simbólica da exposição “Arte no Trecho”, montada no espaço do evento. Menezes também ressaltou o papel da comunicação pública como pilar das políticas sociais.

“A comunicação é estruturante na implementação das políticas públicas.”

Ao situar o debate no contexto internacional, lembrou que a Fiocruz é Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS/OPAS) e defendeu uma agenda latino-americana de direitos humanos e justiça socioambiental.

“Defender o SUS, a vida e a democracia é defender a soberania nacional — e ninguém deve ser deixado para trás.”

“Produzir evidências é produzir cidadania”

Representando a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, o pesquisador Gustavo Matta reforçou o caráter global da pauta. Segundo ele, um bilhão de pessoas em todo o mundo vivem em situação de rua ou em moradias precárias. “A pauta da rua é mundial, e a América Latina precisa discutir proteção social na chave da justiça e da equidade.”

Matta destacou o papel do Nupop/Fiocruz Brasília como núcleo articulador de políticas e pesquisas intersetoriais. Ele citou ações como a Comunidade de Prática em Atenção Primária à Saúde da PopRua, o projeto Psicoidades (premiado pela OPAS em 2021) e o plano interinstitucional com o Ministério da Justiça voltado à formação de agentes públicos para abordagem humanizada.

“Intersetorialidade não é jargão — é prática, método e compromisso.”

Para ele, a produção científica deve ter propósito social: “Produzir evidências é também produzir cidadania. É dar visibilidade às vidas que o metabolismo social tenta apagar — as vidas negras, pobres, com deficiência, deixadas à margem da cidade.”

“Evidências precisam transformar práticas”

A pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do projeto Trilhas de Cuidado nas Ruas, Elyne Engstrom, encerrou a mesa com uma fala que sintetizou o espírito do encontro. Agradecendo à equipe organizadora e aos participantes, ela destacou que o seminário não é apenas um evento acadêmico, mas um espaço de convergência ética e política.

“Evidências são fundamentais, mas precisamos aplicá-las. A ciência implicada deve transformar práticas e modificar realidades.”

Elyne defendeu que o cuidado integral exige articulação entre todas as políticas públicas e superação da culpabilização e da caridade que ainda permeiam o olhar sobre as ruas. “Queremos políticas que tratem as pessoas como sujeitos de direito, com moradia digna, saúde plena e trabalho decente.”

A pesquisadora também lembrou que a violência contra pessoas em situação de rua continua sendo uma chaga aberta: “Ainda convivemos com assassinatos e massacres, e é isso que queremos superar.”

Encerrando, convocou o público a transformar o seminário em ponto de partida para novas ações e sínteses coletivas:

“Não queremos que este evento passe com o vento. Queremos que ele se consolide em práticas que melhorem a vida da população em situação de rua.”

Um pacto coletivo pela dignidade

Da voz de quem viveu nas ruas à das instituições que formulam políticas e pesquisas, a abertura do seminário deixou clara uma mensagem comum: é preciso reconstruir o pacto civilizatório brasileiro em torno do cuidado, da solidariedade e da justiça social.

O desafio, como resumiu Elyne Engstrom, é transformar o conhecimento e a emoção compartilhada nesses dias em ações permanentes de cuidado, dignidade e política pública baseada em evidências.


En savoir plus

Couverture du 22 octobre 2025

Tableau d'ouverture

Couverture du 23 octobre 2025


Legenda da foto: Da esquerda para a direita, Anderson Miranda (CIAMPI Rua Nacional); Luciana Servo (IPEA); Ana Pimentel (PT-MG); Elyne Engstrom (ENSP/Fiocruz); Macaé Evaristo (MDHC); Gustavo Matta (Fiocruz Brasília), Laís Abramo (MDS) e Marco Menezes (ENSP/Fiocruz)

Laisser un commentaire

erreur : Le contenu est protégé !
fr_FRFR
Jornalismo público sobre população em situação de rua e vulnerabilidade social
Jornalismo público sobre população em situação de rua