Brasil tem 221 mil pessoas em situação de rua

O Brasil soma 221.113 pessoas em situação de rua inscritas no Cadastro Único — aproximadamente uma a cada mil habitantes — distribuídas por 2.354 municípios (42 % do total), em que foram contabilizadas pelo menos uma pessoa nesta condição, de acordo com diagnóstico federal fechado em julho de 2023 e publicado no Plano Nacional Ruas Visíveis.

O retrato pouco lisonjeiro mostra um grupo 88 % masculino, 57 % na faixa de 30 a 49 anos e 68 % negro (pretos + pardos) ; outros 68 % já tiveram emprego com carteira, e conflitos familiares (44 %) e desemprego (38 %) despontam como principais disparadores para a vida nas ruas.

O diagnóstico no entanto pode estar subestimado. Isto porque foi produzido a partir do cruzamento de dados do Cadastro Único (CadÚnico), Registro Mensal de Atendimentos (RMA), Censo SUAS, SINAN, CNES e SISAB. Estes números devem estar defasados porque só incluem pessoas que dependem de vínculo prévio com serviços públicos ou de entrada no SUS. Ficou de fora da contagem quem não procurou esses canais. Além disso, o Cadastro Único funciona apenas como proxy, já que o país nunca fez um censo específico da população em situação de rua.

Raio-X expõe concentração no Sudeste e perfil majoritariamente negro, masculino e em idade produtiva

Distribuição territorial — Quase metade dos municípios brasileiros abriga ao menos uma pessoa em situação de rua; o Sudeste concentra 62 % do total (138 .072 registros), seguido de Nordeste e Sul.

Dez municípios recordistas — São Paulo lidera o ranking com 54 .812 registros (25 % do total nacional), seguido por Rio de Janeiro (14 .004 -6,3%) e Belo Horizonte (11 .796 – 5,3%). O grupo dos dez primeiros municípios concentra 51,5 % de todas as pessoas em situação de rua no país.

O Plano Nacional Ruas Visíveis projeta revisões anuais até 2026, mas adverte: a cobertura de equipes de Consultório de Rua (eCR), Centros Pop e bases de dados ainda é insuficiente e o Censo Demográfico 2022 deverá calibrar as estimativas. Somente 42 % dos municípios registram a população de rua, revelando sub-cobertura persistente.

Ranking por Unidade da Federação — São Paulo também lidera entre os estados (91.434; 0,21% de sua população). O Distrito Federal exibe a maior prevalência relativa: 0,26% (três pessoas em situação de rua para cada mil habitantes). Seis estados já superam dez mil registros: SP, MG, RJ, PR, BA e RS.

Perfil demográfico — O recorte nacional é 88% masculino; 57% têm entre 30 e 49 anos.

Raça e etnia — Pessoas negras representam 68 % dos registros (50 % pardas, 18 % pretas); em BA e AM esse índice chega a 93 %. Indígenas somam 0 ,2 % no país, com pico de 0 ,5 % na Região Norte.

Migração — Cinco por cento (10.069) nasceram fora do Brasil; dos imigrantes, 43 % são venezuelanos, 23 % angolanos e 11 % afegãos, concentrados principalmente em Roraima, onde estrangeiros representam 94 % das pessoas em situação de rua.

Deficiência e transtornos — Quatorze por cento declararam algum tipo de deficiência; 47 % física, 18 % transtornos mentais e 16 % visual.

Escolaridade — Dez por cento são analfabetos; 6 % nunca frequentaram escola e apenas 2 % estudavam no momento do cadastro.

Trabalho — Só 14 % trabalharam na semana anterior, 97 % deles por conta própria; “catador” é a atividade mais citada (17 %). Ainda assim, 68 % já tiveram carteira assinada.

Porta de entrada para a rua — Conflitos familiares lideram (44 %), seguidos por desemprego (38 %), álcool/drogas (28 %) e perda de moradia (23 %).

Onde dormem e vínculos — Cinquenta e cinco por cento passam a noite na rua (70 % na Região Norte); 41 % dos registros do Sudeste indicam pernoite em albergues. Nove em cada dez não vivem com a família e 61 % mantêm contato raro ou nulo com parentes.

Rede socioassistencial — Nos seis meses antes do cadastro, 52 % passaram por Centros Pop, 24 % por CREAS e 19 % por CRAS; 12 % não receberam nenhum atendimento social. Em 2022, havia 190 Centros Pop no país (115 só no Sudeste), somando 440 mil atendimentos.

Acesso à saúde — As equipes de Consultório na Rua cresceram 82 % (de 142 para 259 entre 2015-22, chegando a 281 em 2023) e registraram 3,7 milhões de atendimentos acumulados; porém só 145 dos 328 municípios elegíveis tinham equipe ativa em 2022, e Roraima ainda não contava com nenhuma.

Violência — Entre 2015-22 ocorreram 48 .608 notificações de violência motivada pela situação de rua (17 por dia). Mulheres representam 40 % das vítimas apesar de serem apenas 13 % da população em situação de rua; 88 % dos episódios envolvem agressão física e 39 % têm autores desconhecidos.

Inclusão socioeconômicaAs medidas federais anunciadas no Plano Nacional Ruas Visíveis preveem prioridade no Minha Casa Minha Vida, PRONATEC Pop Rua com turmas exclusivas, fomento à economia solidária e cursos de direitos humanos para servidores que atendem essa população.

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Cláudio Cordovil é jornalista e pesquisador em saúde pública, com trajetória marcada pela escuta ativa e compromisso com os direitos sociais. Atuou por décadas na grande imprensa e hoje investiga desigualdades estruturais, com foco em populações marginalizadas, como as pessoas que vivem com doenças raras. Desde 2015 é servidor da Fiocruz. É editor da newsletter “Bioética para Todas as Pessoas” e criador do blog “Academia de Pacientes”. Em Solidaritas, Cláudio escreve sobre quem vive à margem, mas merece estar no centro das políticas públicas. Busca expor as engrenagens da exclusão urbana com olhar jornalístico e escuta social. Acredita que informação é abrigo e palavra é ferramenta de justiça. É doutor em Comunicação e Cultura. Mora no Rio de Janeiro, mas escreve com os pés na rua.

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